quarta-feira, maio 11, 2005

alfabeto visual

ROUPA SEM CORPO / CORPO SEM ROUPA

Na mídia - Enfocado em páginas e matérias de cultura na cidade e se estendendo até a programas policiais, o Dia do Nada deste ano acabou terminando 5 horas depois do previsto, gerando muito mais assunto do que se esperava, já que três de seus participantes acabaram detidos na delegacia por ''atos obscenos'' e ''desacato à autoridade'', pela prática de nudismo em local público.

Conceito geral - Evento que vem acontecendo desde 2002, o Dia do Nada reúne artistas e não artistas em diversas cidades e na Internet para uma reflexão sobre o ócio em nossa sociedade, o vazio existencial de que nos falam os filósofos, o absoluto na supressão de um tempo e espaço físicos e para a criação de trabalhos em arte, inspirados nesse tema. O evento não é contra o trabalho, ele é contra o trabalho desprazeroso, mecânico, robotizado, alienado. Não defende o ócio, é contra a ganância. Não se opõe às atividades policiais, é a favor da liberdade. Não é, tampouco, protesto ou reivindicação, mas reconhece o caráter perturbador de um tema como esse em nossa sociedade. E nem faz apologias ao nudismo, embora tenha parecido que o evento se resumisse a tirar a roupa em praça pública.

Os trabalhos - Outras intervenções fizeram parte do Dia do Nada deste ano, ''suspendendo temporariamente o cotidiano'', tornando a praça Rocha Pombo o local visado pelos participantes para a realização do evento. Dentre os trabalhos apresentados, figuram a ''Performance da Incomunicabilidade'' - em que duas pessoas ficaram amarradas em cadeiras, com os olhos, boca e ouvidos tapados durante quatro horas; a ''Sopa de Pedras'' - cozinhada e servida na praça; os ''Sudaryos'' - pintura utilizando o corpo como pincel; a música ''Obrigado. De nada'' - especialmente composta para a ocasião; a boneca ''Nadia''; a reunião entre amigos, aliados e artistas fazendo ''nada'' na praça; além dos curiosos e da própria imprensa que, ao documentar o evento, também participa dele. Mas não foi só na praça londrinense que a manifestação aconteceu. Também em Belo Horizonte - com um grupo de garotas fazendo chapinha no cabelo e indo em um mirante onde ventava muito; Recife - com a D'A-Improvizzo Gang da Universidade Federal de Pernambuco e Arthur Leandro passeando de trem pela Europa, justificando assim o título ''Nothing Day'', deste ano. Quem quiser saber mais desses trabalhos pode acessar o blog http://nothingday.blogspot.com .

Ponto de vista autoral - Mas o que se transformou em polêmica foi a performance do nudismo, acontecida dentro da proposta Roupa sem corpo / Corpo sem roupa, de minha autoria. Sobre a questão comportamental que envolve o tema, chamo atenção para o artigo publicado ontem neste jornal, na seção Espaço Aberto, sob o título ''O choque do nu''. Aqui enfocarei a performance / instalação - proposta para ser exibida na praça - sob o ponto de vista de seu processo criativo, uma vez que o julgamento sobre seu valor estético, comportamental ou moral é matéria de interpretação de cada um sobre a obra, tornando-a mais ou menos interessante conforme diferentes pontos de vista. O que estava em jogo, no caso desse trabalho, eram, de um lado, as roupas abertas moldadas em gesso, como se estivessem em movimento pelo espaço, fazendo uma alusão à história da arte clássica e ao uso desse tipo de material tradicional. E, também, aos mortos vivos de vidas vazias que estão entre nós. E, do outro lado, pessoas sem roupa, em uma relação direta com a arte contemporânea. Ou seja, representação (gesso) em oposição à ação (corpos nus) no local. Objetos X fluxo. Relação entre dentro e fora. Complementaridade entre orgânico e inorgânico. Elementos separados e contraditórios ligados por um conceito que o próprio título da obra explica: Roupa sem corpo / Corpo sem roupa. As interpretações e julgamentos que continuam vindo à tona a partir do que foi exposto, dizem mais respeito ao posicionamento das pessoas do que, propriamente, à obra, que serviu apenas de veículo para as mais diferentes visões. Do comentário mais reacionário e conservador ao mais deslumbrado e tolerante. Da indignação à excitação, o nu, que foi apenas parte de um trabalho dentro do evento do Dia do Nada, acabou aflorando uma discussão na cidade, que, pelo menos, mostra que os tabus ainda estão aí e é clara a necessidade de debatê-los.

Rubens Pillegi Sá é colaborador da Folha 2 e idealizador do Dia do Nada. rubenssa@onda.com.br

Rubens Pileggi SáEspecial para Folha 2

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