quarta-feira, dezembro 24, 2008

silêncio como tática

Em Marselha, o silêncio é máquina de guerra
(em defesa dos sem-documentos)

Christophe Goby, 20/12/2008, 21H46 (eu traduzi)
(Rue89, http://www.rue89.com/marseille/2008/12/20/sans-papiers-a-marseille-le-silence-est-une-arme)

Há mais de um ano, organizam-se círculos de silêncio em várias cidades francesas. Nova forma de manifestação em defesa dos sem-documentos, de inspiração religiosa, mas que se refere também ao silêncio ativo contra a ocupação alemã, que se vê em "Le Silence de la mer", de Vercors. (Na pág., há um vídeo.)

Ilustração do que disse Eurípides: "Fala, se tens palavras mais fortes que o silêncio", um círculo de silêncio reúne-se duas vezes por mês numa praça, em Marselha.

Dia 7/11, às 12h30, eles formam um círculo na Praça da Joliette, cercados pelo barulho dos carros e das buzinas de Marselha. O céu está cinzento, mas se vê o porto, com guindastes e gruas.

Num painel, está afixado o documento emitido pelos Centros de Retenção de Imigrados na Europa e no Maghreb, muito parecido com os 'documentos de identificação' que circulavam nos campos de concentração da II Guerra Mundial. O Círculo aspira, mediante um silêncio mais forte que as palavras, a "acordar as consciências, contra atos indignos" praticados pelo governo de Sarkozy contra os sem-documentos.

"O Círculo sacode o formato das manifestações clássicas"

Marie-Thérèse Fantasia não é mais alta que um pé de banana de um ano, mas, como a árvore, parece animada de muitas vidas. Caminha, distribuindo panfletos à volta do Círculo.

Católica, da Pastoral dos Migrantes e sindicalista da Confédération Française Démocratique du Travail (CFDT, confederação francesa interprofissional de sindicatos de assalariados), explica as motivações do círculo:

"Todos estão a igual distância do centro; essa forma dá uma sacudida no formato tradicional das manifestações clássicas."

Acha que a cúpula da Igreja católica francesa tem-se omitido na luta contra a expulsão dos sem-documentos, "exceto o arcebispo Pontier, que escreveu a Hortefeux", lembra. À parte, acrescenta que vários dos presentes têm dado abrigo a muitos sem-documentos.

Voluntário da Cimade, associação de assistência aos sem-documentos nos centros de retenção, atualmente sob mira do governo Sarkozy, que os quer fora de lá, Julian raciocina como filósofo kantiano:

"O silêncio é a possibilidade de pensar com a própria cabeça; nos debates, ouve-se mais, mas pensa-se menos..."

Veio de Friburgo, Alemanha. Aos 20 anos, destaca-se entre aposentados taciturnos, adeptos de Thoreau e da teoria da desobediência civil, que, ali, são maioria.

"O que está em jogo é nossa própria humanidade"

Iris Reuter iniciou a ação em Marselha, depois de uma msg de e-mail que recebeu de amigos franciscanos de Toulouse: "o silêncio é uma interpelação, e permite que todos pensem, cada um consigo mesmo". Militante religiosa nos bairros da área norte, conta que já há Círculos de Silêncio em 60 cidades francesas.

"O silêncio permite que cada um conecte-se consigo mesmo. Nem sempre, nas manifestações tradicionais, todos concordam com todos os slogans e palavras-de-ordem."

Em Toulouse, imóveis e mudos, rezam na calçada do Capitole, às 2ªs-feiras, no fim da tarde. Alain Richard, padre franciscano apóstolo da não-violência à Gandhi, entende que o silêncio é resposta ao blá-blá-blá quotidiano que ameaça "nossa própria humanidade".

Muitos padres franciscanos têm participado dessas ações de desobediência na ex-Ioguslávia, contra os programas nucleares. Rindo, Alain Richard diz que "Nosso círculo de silêncio faz muito barulho".

Os novos agitadores

Na opinião da Liga pelos Direitos Humanos de Toulon, o silêncio é excelente resposta a um presidente muito falastrão e barulhento. Ante tanta correria, saltitamentos e tantas palavras vãs, e como resposta-reação contra o mascaramento da fala e da língua na cúpula do Estado francês, os novos agitadores optam por calar-se e não se mover.

Em Lyon, a iniciativa partiu de Marcel Durand, padre da igreja de São Policarpo; hoje, são mais de 100. Esses novos agitadores são mais velhos e pouco habituados às manifestações de rua. Por isso, Marcel Durand não fala de "agitação", mas de "participação".

Embora a maioria dos novos agitadores sejam não-religiosos, também há ongueiros. Militantes da ONG "Educadores Sem Fronteiras" participam do Círculo, justamente eles, dados a cantar tão incansavelmente seus slogans nas passeatas.

"Contra a Europa-fortaleza"

Marcel Siguret, militante da Attac, carrega uma faixa da nova plataforma de oposição à Europa-fortaleza: "Mais pontes, menos muros", e fala muito:

"Não podemos caricaturizar os sem-documentos. Trata-se de asfixiar os países pobres, pilhar seus recursos, sua agricultura. É preciso reconstruir a luta em todos esses domínios."

Seriam rousseaunianos, sem saber? Rousseau protestava em silêncio, como forma de desobediência civil. Muitos transeuntes param, intrigados com aquela forma de protesto. Mas o trabalho não se detém ante aquele punhado de militantes que lutam contra a política de imigração do ministro do Interior de Sarkozy, Brice Hortefeux.

Dia 22 de outubro, manifestações em defesa de um jovem pedreiro, Moussa Moussatem, não conseguiram impedir que fosse expulso pelo porto de Sète onde, apesar de seus apelos, foi embarcado à força. Sua família vive em Sarrians, no Vaucluse. Depois de seu pai sofrer um acidente, o filho passou a trabalhar para sustentar a família, até ser preso e, em seguida, repatriado à força. No barco, "uns rapazes que viajavam para participar de um rali reclamaram muito do atraso na partida", conta Marie-Thérèse Fantasia.

Bem se poderia dizer: "Há mais poder no pisar dos chinelos, do que no marchar das botas dos soldados". Esses novos agitadores silenciosos, laicos e religiosos, parecem saber onde (e por que) pisam, mesmo que não marchem nem andem.