quarta-feira, outubro 19, 2005

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Caros,
Vejam que abuso de poder, equívoco de raciocínio e desserviço social a dita justiça instituída é capaz de empreender em nome do controle, da ordem e da moral: o corpo nu é, por natureza, obsceno.
Pois a que outra conclusão é possível chegar quando até a nudez artística em espaço público é interpretada como atentado ao pudor? Que hipocrisia e retrocesso geral contemporâneo é esse, incapaz de aceitar que homens e mulheres são assim mesmo, têm corpo, pelos e pele, pênis, vagina, ânus, bunda, seios? E nem estamos aqui falando de que esses mesmos corpos suam, fedem e fodem... Qual é o problema de termos um corpo? Será que nossa espiritualidade chegou a tal nível de sofisticação que nos tornamos seres desmaterializados? Não é pra tanto. Todo adulto já viu um corpo nu na frente de si, e não só na hora de comer alguém, mas imagino que milhões de pessoas pelo mundo já se encontraram nas mais distintas situações de nudez. Porque o nu haveria de ser primeiramente um atentado ao pudor? Se um cara estivesse se masturbando na praça e correndo atrás de criancinhas em espaço público vá lá, dava para chegar no cidadão e dizer que ele estava exagerando, que era melhor ele baixar a bola, se controlar. Geralmente, há mais erotismo e até pornografia em qualquer banquinha de revista da rua que num corpo nu em ato artístico. E quanta fixação sexual não há nas novelas televisivas? Qual é o problema, então? Sexualidade, erotismo e pornografia industriais podem porque dão lucro, são negócios legalizados? E o indivíduo ficar nu para se manifestar não pode? Quer dizer que até isso é regulado pelo mercado? E mesmo se fosse uma performance explicitamente focada na reflexão sobre a sexualidade humana, não poderia por quê? Não podemos mais refletir sobre nossos comportamentos e valores comportamentais? Estaríamos entrando na nova era da autocrítica zero? Além do aspecto natural de todos termos um corpo por debaixo das roupas - é preciso que se diga o óbvio a essas alturas - será que os ilustres togados não têm desprendimento intelectual suficiente para perceber que o corpo nu em nossa cultura pode significar muitas coisas e não apenas sexualidade? Quem parece estar com idéia fixa são esses juízes! Acho que esses caras são bacharéis tarados. Se eles interpretam tudo dessa forma me fazem pensar isso deles - é mais uma questão de lógica que de moral. O corpo pode ser também veículo de significados, linguagem cultural, crítica, arte, poesia. Os corpos vestidos no espaço público podem ser mais do que funcionários indo ao trabalho, ou consumidores indo ao shopping: podem ainda ser cidadãos, indivíduos que pensam sobre suas vidas e que podem querer manifestar-se sobre sua existência, sobre seu tempo e seu espaço. E que para essa manifestação podem usar seus corpos, e podem até tirar suas roupas. Ou será que a autoconsciência individual tornou-se tão rara que os executores oficiais de regras públicas já querem taxá-la de anomalia social? Esses caras são maus mesmo, hein? Haja perverssidade!
\r\nAbaixo segue o relato do artista Rubens Pileggi sobre os desdobramentos policiais e jurídicos ocorridos após a sua performance "roupa sem corpo / corpo sem roupa", uma sutil crítica à perda da consciência individual do cidadão civilizado, ação essa empreendida durante o Dia do Nada de 2005, em Londrina, a qual agregou diversos colaboradores ainda atentos ao "respiro, logo existo".
Convoco a todos a divulgarem esse fato e a manifestarem-se sobre ele, enviando comentários ao Rubens como um gesto de apoio e solidariedade a seu ato artístico e, simultaneamente, de desagravo ao equívoco judicial público que a justiça local está empreendendo, inclusive com um julgamento do artista previsto para início de novembro. Não é preciso ser juiz para saber o que é justo e o que é de direito. Vamos julgar publicamente esses juízes através das redes da internet e lembrar-lhes que acima da autoridade e do poder está o ser humano, que a justiça é maior que seus titulares de plantão, que a cultura é dinâmica, que os conceitos e convenções mudaram, que não queremos mais ser reprimidos pela mediocridade, ser torturados ideologicamente por uma visão reacionária de mundo.
Se isso não for possível, o que nos sobra? Adaptar-nos totalmente às regras? Sermos os normais totais, os normóticos? Ou sentirmos saudades da época pré-histórica? Pelo menos lá a nudez e a sexualidade não pareciam ser um trauma moral, como parecem insinuar algumas pinturas rupestres. Milhares de anos de história para regredirmos em relação ao nosso próprio corpo, nosso primeiro território. Não dá, né? Queremos mais que isso.

Abaixo segue o relato do artista Rubens Pileggi sobre os desdobramentos policiais e jurídicos ocorridos após a sua performance "roupa sem corpo / corpo sem roupa", uma sutil crítica à perda da consciência individual do cidadão civilizado, ação essa empreendida durante o Dia do Nada de 2005, em Londrina, a qual agregou diversos colaboradores ainda atentos ao "respiro, logo existo".
Convoco a todos a divulgarem esse fato e a manifestarem-se sobre ele, enviando comentários ao Rubens como um gesto de apoio e solidariedade a seu ato artístico e, simultaneamente, de desagravo ao equívoco judicial público que a justiça local está empreendendo, inclusive com um julgamento do artista previsto para início de novembro. Não é preciso ser juiz para saber o que é justo e o que é de direito. Vamos julgar publicamente esses juízes através das redes da internet e lembrar-lhes que acima da autoridade e do poder está o ser humano, que a justiça é maior que seus titulares de plantão, que a cultura é dinâmica, que os conceitos e convenções mudaram, que não queremos mais ser reprimidos pela mediocridade, ser torturados ideologicamente por uma visão reacionária de mundo.
Se isso não for possível, o que nos sobra? Adaptar-nos totalmente às regras? Sermos os normais totais, os normóticos? Ou sentirmos saudades da época pré-histórica? Pelo menos lá a nudez e a sexualidade não pareciam ser um trauma moral, como parecem insinuar algumas pinturas rupestres. Milhares de anos de história para regredirmos em relação ao nosso próprio corpo, nosso primeiro território. Não dá, né? Queremos mais que isso.

Goto

Um comentário:

Nina Delfim disse...

Em 2oo4, Valéria Delfim, escultora mineira, teve uma de suas obras retirada de uma exposição por se tratar de um "nú masculino".
Certamente se fosse um nú feminino a posição não teria sido tão extremada...rs
Em que século estamos mesmo?